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quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

CONTAREI-LHES UMA HISTÓRIA (3)

Continuação.
Desculpem a demora.

Um imenso corredor foi o que se estendeu quando a porta do elevador se abriu elegantemente para um dos lados. A luminosidade do lugar era intensa, quase assustadora. Na extremidade oposta da que se encontrava, uma porta encantadoramente vermelha o provocava entreaberta. Era ali que encontraria Conrado pela primeira e última vez, e faria o serviço que o libertaria daquela vida patética que levava, apesar de sua mente não conseguir mais distinguir o que era patético e o que não era. Ainda dentro do elevador, com um cigarro aceso na boca, o sujeito tinha os olhos cansados e apreensivos, mas lucidamente profundos, ambos fixos na única coisa que bloqueava a imagem daquele porco que se esvairia em sangue em segundos.
Então, o tempo vestiu sua máscara no exato momento em que foi dado o primeiro passo para o interior do iluminado corredor, obrigando a porta avançar a distância equivalente. O sujeito foi desnorteado pela clareira que o envolveu, e só então percebeu a presença dos imensos lustres feitos de vidro e pedras preciosas, todos enfileirados, do começo ao fim do corredor. As luzes que o engoliram não eram refletidas, a não ser pelo corpo prateado da pistola que jazia em sua mão direita, peculiarmente luminosa. As portas e janelas laterais eram abundantes, e deram a impressão de um corredor infinito, o que pareceu não ter intimidado de forma alguma o sujeito que se aproximava cada vez mais da sala, com olhos sedentos. Tudo, a não ser a sala, se tornara um mero detalhe insignificante.
Bastavam-se alguns metros, e o sujeito escutou algo, como um grito. Faltavam apenas metros, e o sujeito viu algo, como uma sombra. Não diminuiu o ritmo da caminhada, e chegou rápido demais, como sempre.

De dentro da sala emergiam gemidos quase gritados, de alguém que se enchia de euforia prazerosa, do tipo levemente insuportável, e o sujeito sorriu indiferente, pensando no quão fácil seria nessas circunstâncias. Com uma discrição impecável entrou na sala, e não foi percebido. A sala era imensa, suas paredes cobertas por quadros e estantes, todas levemente avermelhadas, contrastando com o carpete verde onde pisava sem emitir som algum. O teto, também esverdeado, era reinado pelo imenso lustre que clareava a sala, e que fazia a arma prateada reluzir como anteriormente. Bem no meio, um espetáculo acontecia, e o sujeito observava com interesse: Uma bela prostituta, tão ruiva quanto fogo, apoiava suas mãos na mesa redonda central, gemendo incansavelmente enquanto seu corpo era violado por trás, por debaixo do vestido vermelho curto que estava levantado, seus cabelos longos e cacheados balançando num ritmo incessante. Suas coxas, as mais belas, eram agarradas com força pelas mãos brancas do homem demente que a comia sem escrúpulos, e que constantemente empunhava a garrafa de uísque Red Label da mesa, dava longas goladas, e derramava na prostituta. Este homem vestia uma camisa social branca, e suas calças estavam abaixadas, revelando pernas brancas e fortes. Seu nome era Conrado, e estava de costas para o sujeito que viera ao seu encontro, tragando seu cigarro, e lhe mirando na cabeça.

De repente, algo parecido com o silêncio invadiu a sala, e a ruiva se virou. Ela mantinha os olhos fechados, e ofegava com uma expressão de cansaço, enquanto ajoelhava-se para o próximo ato. Seu rosto era perfeitamente belo, usava um batom vermelho que estava manchado para os lados, seus cílios eram elegantemente compridos, e tinha pele lisa. Conrado, que bebia o uísque com voracidade, não demorou em voltar sua atenção a ela, agarrando seus cabelos vermelhos que estavam agora na altura de sua cintura. A prostituta umedeceu os lábios demoradamente com sua língua, engoliu saliva, e abriu seus magníficos olhos, que se revelaram verdes-esmeralda. Notou que algo reluzia, algo atrás de seu parceiro. A última coisa que viu foi o brilho intenso e prateado da bala que se encaixou simetricamente entre seus olhos, e que fez sua cabeça ser jogada para trás, imortalizando a máscara de horror na qual seu rosto havia se transformado antes de morrer. O que Conrado puxou para si foi apenas a cabeça de um defunto jorrando sangue, sangue estupidamente vermelho. E então o sujeito disse algo pela primeira vez na noite.

“Conrado, seu porco”, murmurou sorrindo, “Será um grande prazer lotar sua cabeça com balas”.

Quando Conrado, o porco, finalmente percebeu o que acontecia, já pairava no ar o eco de dois novos disparos, e suas pernas falharam no ato de tentar se virar para ver quem havia atirado. Seus dois joelhos não mais respondiam, fazendo assim com que a gravidade agisse e o levasse ao chão, caindo ao lado da prostituta virgem, que assistia seu assassinato acontecer com uma expressão imutável. Olhando para aquele rosto inteiramente vermelho, Conrado entrou em pânico, e gritou.
Calou-se quando sentiu um objeto gelado atrás de seu pescoço, e desejou não ter escutado o altíssimo disparo que veio logo em seguida. Pôde ver as gotas de seu sangue sendo lançadas a metros de distância, algumas manchando seus quadros e suas estantes, e viu outras coisas que não sabia o que era serem lançadas também. Contra sua vontade, sua cabeça se virou com os olhos para o teto, e sua boca abriu torta, deslocando o próprio maxilar. Seu rosto se deformou, contraindo todos os músculos ali presentes, fazendo movimentos atrofiadores e impossíveis, porém sem sentir dor alguma. Tentou gritar inutilmente.

Então o sujeito, aos poucos, foi tomando forma em seu campo de visão. Estava sorrindo e apreciando seu momento glorioso, a arma ainda apontada para
as sobras de um rosto. Brilhava de uma maneira sobrenatural, a pistola, cegando Conrado cada vez que este a focava, entretanto estava fora de seu alcance conseguir fechar os olhos naquele estado. Bastante tempo se passou, e o sujeito continuou a fitá-lo com olhos extremamente secos, e uma leve euforia nos lábios, não mais do que isso. O condenado tentou emitir algum som, formar alguma palavra, talvez uma frase, mas foi em vão, considerando que o resultado eram ganidos muito semelhantes ao de um rato.

O tempo passava, e o cenário não mudava.
Inesperadamente, algo tomou toda a atenção do sujeito, mudando drasticamente a expressão em rosto. Este finalmente se moveu, entretanto não para acabar de uma vez por todas com o rastejante Conrado que gania como um roedor, mas sim para caminhar em direção a uma janela que não havia dado conta que estivera ali. Através dela, pôde ver que o sol não demoraria a nascer, e que seu tempo estava se esgotando. Olhou para trás, e observou que o carpete da sala não era mais verde como a grama, e sim vermelho como o inferno, sendo ele o próprio demônio. Acabaria com tudo agora.
O sujeito andou em direção ao moribundo que gemia no chão, a arma prateada na mão, e, como sempre, chegou rápido demais. Conseguiu distinguir uma palavra no meio dos ganidos incessantes, a palavra “Quem”, porém não deu a mínima importância, e prosseguiu com o assassinato. Mirou no desgraçado que só não morrera até então por milagre, e descarregou todas as balas restantes em sua cabeça, que explodiu. Adeus, Conrado.

Agora, tranqüilo, o sujeito empurrava uma poltrona, aonde provavelmente o ex-dono da empresa “Conrado Lustres” passava o seu dia sentado, e a levava em direção a janela por onde ficaria sentado durante horas, observando sem piscar o mais belo amanhecer que já viria em toda a sua vida.
Apalpou com uma das mãos o seu bolso traseiro, confirmando se o maço de cigarros ainda jazia ali, o esperando. Precisaria de todos eles agora.


7 comentários:

  1. Mórbido e Obscuro. Perfeito. Você só deveria tomar mais cuidado com a repetição de palavras. Parabéns.

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  2. Cara, quanto talento! Consegui imaginar cada detalhe na minha cabeça, genial. Devia começar a escrever profissionalmente!

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  3. Feito o Hugo, consegui imaginar cada detalhe. Foi gostosa a leitura. Quero mais, rs

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